A palavra no tempo
O mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher é também o mês em que celebramos o nosso aniversário. Este ano, a festa convida a pensar e a revista anual traz inquietações à volta da Paz.
O mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher é também o mês em que celebramos o nosso aniversário. O ano passado brindámos na Casa do Comum com uma comunidade de apoiantes que quis marcar presença. Este ano decidimos não apenas brindar, mas aproveitar a data para refletirmos sobre o papel da palavra escrita, e da mulher, na paz. Vamos fazê-lo com o apoio da Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, no dia 8 de Março. Os lugares limitados da sala esgotaram em 24 horas, o que nos leva a pensar que as inquietações não são só nossas, nem a urgência sentida de pensar a palavra no tempo. A participação continua a ser possível online, através de registo aqui.
O aniversário significa também o lançamento do segundo número da nossa revista anual. O ano passado intitulou-se Mulher. Este ano intitula-se Paz, e vai ser lançada durante a conferência, com leitura encenada de um dos textos. Abaixo, depois da agenda do mês, revelamos a capa, outro excelente trabalho de Salete Pereira e, a modo de introdução, deixamos um excerto adaptado do editorial. Aumentámos a tiragem da revista, mas tendo em conta que o primeiro número não demorou muito a esgotar, não percam a oportunidade de a comprarem enquanto está disponível. Podem fazê-lo directamente connosco ou nas livrarias seleccionadas que listamos abaixo.
Março vai ainda contar com a segunda conversa do ciclo Escritoras do Meu País, iniciativa conjunta do Clube das Mulheres Escritoras e da Biblioteca Municipal de Beja. Decore a 22 de março e conta, este mês, com a Cristina Drios e a Filipa Amorim. Espreitem a agenda também, se são amantes do policial e se estão interessados cursos de escrita.
Vemo-nos com certeza este mês, na Casa dos Bicos, no vosso ecrã, ou em Bibliotecas do nosso país. E já agora, quando estiverem dentro de uma, espreitem as sugestões de livros que a Lénia Rufino propõe.
Boas leituras e até já!
Clube das Mulheres Escritoras
Agenda
8 de março
Clube das Mulheres Escritoras | Conferência “A palavra Escrita, a Mulher e a Paz” na Fundação José Saramago | Lisboa | 10H - 18H
15 de março
Filipa Amorim | Entrelinhas Convida, na Biblioteca Municipal Dr. Estanco Louro | São Brás de Alportel | 15h30-18h
20 de março
Sara Rodi | Início do curso “Escrever um Livro” (online e presencial) | Escrever Escrever | Até 28 de junho | 18H30 - 21H
22 de Março
Cristian Drios e Filipa Amorim | 2ª sessão «Escritoras do Meu País» | Biblioteca Municipal José Saramago | Beja | 16H
23 de março
Rita da Nova | Conversa e sessão de autógrafos | BIBLIO Felgueiras: Festa do livro e da leitura | Felgueiras | 17H
26 de Março
Filipa Fonseca Silva | Conversa sobre o livro «E Se Eu Morrer Amanhã?» | 1ª Edição do Março no Feminino | Biblioteca Municipal de Mondim de Basto | 21H30
29 de março
Joana Kabuki, Sara Rodi e Lourenço Seruya | Oficina de escrita no Palácio Baldaya | Lisboa | 15H - 18H
Revista n.º 2 do Clube das Mulheres Escritoras
Excerto adaptado do editorial
Começámos por lançar o desafio nas nossas fileiras. Pegar na palavra Paz, a saber que veste múltiplos significados. Pegar nela com mãos e dedos de gerações e lugares políticos diferentes, e vesti-la de acordo com essas experiências. A palavra dançou na mente de cada uma, rodopiou a saia, bateu o pé, e acabou num caleidoscópio. No papel, por vezes seguiu em contra-mão: as inquietações desafiaram-se, as mensagens opuseram-se. Se em alguns lugares a palavra Paz vestiu bondade e se disse suficiente, noutros confessou ser pouca, ser violenta, e não utópica, mas distópica. Se aqui se manifestou apenas como o fim de um conflito, ali disse ser mais do que a ausência dele, e além, onde se escondeu apenas num nome, tornou-se o seu perturbante oposto. Afirma-se inatingível, e no entanto vêmo-la no sono dessa criança que dorme no regaço da mãe, debaixo de um teto que ninguém ameaça desabar.
Para algumas escritoras, a palavra foi um convite a sair delas e arriscar escrever sobre o que nunca viveram. Neste mundo, habitamos o mesmo planeta, mas vivemos vidas profundamente diferentes. Arriscamos tecer experiências que não são nossas, em frases que depositam nos dedos o peso de outros. Aventuramo-nos a fazê-lo porque a literatura é um exercício de empatia, não apenas para o leitor, mas para o escritor. Um exercício necessário, para que sejamos o contrário do mecanismo industrializado da violência, onde um botão premido numa sala de luz suave e ar condicionado desmembra uma criança.
Para outras escritoras, o desafio de pensar na palavra levou-as à fronteira entre o mundo interior e mundo exterior. A minha paz e a paz dos outros. Habitamos um lugar que não arde, mas deixa arder, e quantas vezes tropeçamos inconscientemente no privilégio. Oh, EU outra vez! Não basta não lançar mísseis, porque o cansaço dos homens bons é a vitória fácil dos opressores. Das mulheres também. E quantas vezes ultrapassamos a fronteira e nos perdemos dentro do corpo, por dentro da pele, e aí nos matamos em conflitos que são só nossos, em campos de batalha que meticulosamente criamos. Talvez um dia saibamos, mulheres, juntar-nos e dizer basta. Talvez só dependa de nós.
Comprar/encomendar a revista:
- Diretamente connosco, por email;
- Nas seguintes livrarias aderentes:
Greta (Lisboa) Arquivo (Leiria) Snob (Lisboa), Almedina (Lisboa), Fonte das Letras (Évora) Ler Devagar Chiado (Lisboa) Centésima Página (Braga) Unicepe (Porto) Flâneur (Porto) Letras Lavadas (Ponta Delgada), Lar Doce Livro (Angra do Heroísmo, Terceira), Indie Not a Bookshop (Cascais)
Partilhas
Terminamos o mês com uma excelente notícia: quatro escritoras do Clube estão nomeadas para o Prémio Livro do Ano, dinamizado pelas livrarias Bertrand. Ana Cristina Silva, Maria Francisca Gama e Rita da Nova concorrem na categoria de Melhor Livro de Ficção Lusófona, ao passo que Célia Correia Loureiro vê a sua estreia na não-ficção destacada na categoria de Melhor Livro de Não-ficção.
Mas fevereiro, embora curto, foi um mês onde coube muito mais. No passado dia 15, aconteceu o primeiro encontro «Escritoras do meu País», uma parceria entre o Clube e a Biblioteca Municipal de Beja, para divulgar a literatura escrita por mulheres, um sábado de cada mês. As primeiras autoras a marcar presença foram a Filipa Fonseca Silva e a Vera dos Reis Valente, recebidas com enorme entusiasmo por uma audiência muito participativa. A próxima sessão já está na agenda de março e contará com a Cristina Drios e a Filipa Amorim.
Duas autoras do clube inauguraram, em conversas separadas, o podcast Conversas para Ler, da Antena 1. A Rita da Nova falou com Cláudia Godinho sobre fazer vida da paixão pelos livros. Já a Maria Francisca Gama conversou com a jornalista sobre a importância da leitura.
Ainda “juntas”, as duas escritoras foram também entrevistadas pela plataforma Ensaio, a propósito do contributo do BookTok para a revolução do mundo literário. Podem ler tudo aqui.
A Filipa Fonseca Silva esteve à conversa com a Magda Cruz, no Podcast Ponto Final Parágrafo. Uma conversa que se centrou muito no seu último livro, «Admirável Mundo Verde», mas onde também houve tempo para falar do Clube das Mulheres Escritoras e dos eventos que temos na manga.
Sugestões de Leitura
por Lénia Rufino
Sinopse
Antes de uma reunião de trabalho, Júlia sai de tarde para correr e, enquanto sobe o trajeto para a Vista Chinesa, o famoso miradouro no parque natural da Tijuca, em plena cidade do Rio de Janeiro, desligada do mundo e de headphones nos ouvidos, um homem de mãos enluvadas surge repentinamente, encosta uma pistola na cabeça dela e arrasta-a para o meio da mata. Júlia é violada. Sobrevive. Anos depois, já mãe, recorda o horror vivido e as sequelas daquela terça-feira de 2014 — a dor, a raiva, o medo de acusar um inocente e a força redentora da vida que continua.
«A partir do momento em que começamos a ler, já não é possível parar. Uma poderosa celebração da vida. Pode pedir-se mais da literatura?» — José Eduardo Agualusa
Relato de uma história real de violação, Vista Chinesa é um romance perturbador, corajoso e necessário, que reflete sobre a violência ancestral contra a mulher e a transforma em grande literatura. Um livro que incomoda, de rara qualidade literária, e que foi recebido de forma entusiástica pela crítica.
Porquê?
Este livro é um sufoco necessário. Quando o li, há uns anos, fiquei entre a raiva e a angústia, também eu refém de um crime que, não o tendo sofrido na pele, não me é estrangeiro. A história de Júlia podia ser a história de qualquer uma de nós, e viver com a consciência do perigo é, por si só, uma dor imensa. É um livro para nos trazer muitas coisas para o colo, nem todas elas bonitas. Mas a escrita de Tatiana Salem Levy tem o poder de nos enlear e de nos transportar para sítios escuros, porém necessários.
Sinopse
Quando uma jovem publicitária à beira de um burnout é forçada a fazer uma pausa, as oito semanas de descanso obrigatório levam-na até à vila paradisíaca de Jericoacoara, no Ceará. Na pousada de duas amigas, ela tenta sarar as feridas de uma existência destruída: o stresse, excesso de trabalho, relações tóxicas e a necessidade constante de provar o seu valor quase a mataram; o machismo, o assédio, os traumas e os fantasmas roubaram-lhe pedaços que jamais conseguirá restituir. Mas será possível renascer depois de morrer? Num romance de estreia que se tornou um sucesso imediato no Brasil, Lorena Portela conta-nos a história de uma personagem que poderia ser qualquer uma de nós. Entre mergulhos no mar e um sol escaldante, é noutras mulheres que ela consegue descobrir as forças necessárias para renascer - mas não sem antes quase perder tudo.
Porquê?
Mais um livro onde se folheiam angústias, claro. E mais um livro que podia ser sobre qualquer uma de nós. Consigo sempre rever-me nas histórias densas, magoadas, cheias de perguntas sem resposta e de caminhos aparentemente sem saída. E sinto sempre que ler livros assim me faz acreditar que é (quase) sempre possível voltarmos a levantar-nos e seguir caminho.
Sinopse
Rio de Janeiro, anos 1940. Guida Gusmão desaparece da casa dos pais sem deixar notícias, enquanto sua irmã Eurídice se torna uma dona de casa exemplar. Mas nenhuma das duas parece feliz em suas escolhas.
A trajetória das irmãs Gusmão em muito se assemelha com a de inúmeras mulheres nascidas no Rio de Janeiro no começo do século XX e criadas apenas para serem boas esposas. São as nossas mães, avós e bisavós, invisíveis em maior ou menor grau, que não puderam protagonizar a própria vida, mas que agora são as personagens principais do primeiro romance de Martha Batalha.
Enquanto acompanhamos as desventuras de Guida e Eurídice, somos apresentados a uma gama de figuras fascinantes: Zélia, a vizinha fofoqueira, e seu pai Álvaro, às voltas com o mau-olhado de um poderoso feiticeiro; Filomena, ex-prostituta que cuida de crianças; Luiz, um dos primeiros milionários da República; e o solteirão Antônio, dono da papelaria da esquina e apaixonado por Eurídice.
Essas múltiplas narrativas envolvem o leitor desde a primeira página, com ritmo e estrutura sólidos. Capaz de falar de temas como violência, marginalização e injustiça com humor, perspicácia e ironia, Martha Batalha é acima de tudo uma excelente contadora de histórias. Uma promessa da nova literatura brasileira que tem como principal compromisso o prazer da leitura.
Porquê?
O mel do Português do Brasil torna esta história ainda mais bonita;
Martha Batalha escreve com a ironia na ponta dos dedos. Nem todos conseguem fazer isto. É preciso um tipo especial de mestria para conseguir escrever assim;
Fácil, fácil ver a Eurídice, a Guida, o Antenor, a Zélia. Fácil ver Estácio, a quitanda, a casa da Filomena, as festas e as ruas;
Este pequeno romance é uma homenagem a todas as mulheres que, sendo silenciadas, se reinventam e não se ficam. É uma homenagem à resiliência feminina, que é tipo erva-daninha e nasce, mesmo onde não é suposto nascer.
Tenho muita pena de não conseguir estar no evento do dia 8, por conta de uma viagem emergencial que tive de fazer. (Já respondi ao email da conferência para que minha vaga seja liberada para alguém que esteja em lista de espera.) No entanto, quero garantir minha revista, mas não consigo abrir o link para encomendar. Como faço?